Tchau, nunca mais quero te ver!
Foi
com essa frase que dois ortopedistas e um fisioterapeuta me convenceram a não
fazer a minha oitava cirurgia.
Da
última vez eu tinha desistido da cirurgia por causa do teatro da escola, dessa
vez foi porque eu iria entrar em cartaz como ator profissional. Cirurgia é um
saco, o corredor do centro cirúrgico tinha que ser tão grande? Da tempo de ver
a história da sua vida duas vezes e ainda fazer uma anotação mental “Faça o que
tiver vontade! ” Isso é a primeira coisa
que me vem à cabeça, talvez seja por causa da vontade que eu tenho de levantar
e sair correndo. Podem falar o que quiser, mas atire a primeira pedra quem já
fez uma cirurgia e não ficou com um medo ferrado de morrer. Então você começa a
se lembrar como foram os outros pós-operatórios, fica com pressa pra que a
agonia toda passe logo e a sua vida pule pra parte em que você liga pra sua mãe
pedindo pra ela fazer um bolo de cenoura O pós-operatório é mais legal, você
fica na cama recebendo livros, docinhos e outras tranqueiras. Com quinze dias você tira os pontos, se tiver
pinos morde um pano e segura na mão de alguém porque nessa hora anestesia é a
última coisa que vai ter. Com três dias
de hospital você vai pra casa, só que parece que não vai você, a sua alma
parece pertencer ao corpo de outra pessoa. Talvez seja o alívio de não ter que
se preocupar mais com o 5% de chance de algo dar errado. Do alivio dos 5% vem a
preocupação: "Como é que eu vou chegar até o meu quarto, quem vai me
carregar?" Como é que eu vou fazer pra vir ao hospital passar pelo
monitoramento, tirar os pinos, o gesso?" O gesso! Deus inventou a agulha
de tricô, o diabo, o gesso. Você amarra um algodão úmido na cabeça de uma
agulha e vai da fúria, torpor e coceira pra satisfação amor e alegria em 2
milésimos de segundo. Os teus ombros se arrepiam e o seu mundo se dissolve em
um campo ensolarado cheio de flores, graças a uma insignificante agulha de
madeira que não é mais uma agulha de madeira, é uma aliada que você guarda ao
lado da cama como se fosse um Santo Graal.
Um
mês depois você quer levantar da cama de qualquer jeito, dane-se se você vai
demorar 25 minutos ou mais pra chegar até o banheiro, você apostou uma panela
de brigadeiro. O truque pra ganhar a aposta é muito simples: É só treinar
quando não tiver ninguém em casa, quando alguém vier te visitar faz corpo mole
até dizer que sente vontade de comer alguma coisa e a pessoa te responder que
só vai preparar o prato se você levantar da cama. Se você engorda? Sim, mas o esforço de
caminhar com gesso é tão grande, nada que três passeios no corredor ao dia não
resolva. Seis meses depois você tira o gesso, toma um susto, não lembrava que o
chão era tão gelado assim. A primeira coisa que você faz é instintivamente
coçar a perna por mais ou menos meia hora.
Aquele Graal não existe mais, voltou a ser agulha. Cadeiras de rodas e
muletas são devolvidas e você não precisa mais se preocupar em molhar o pé na
hora de tomar banho. Os médicos te
elogiam, e comentam sobre uma próxima cirurgia daqui a 5 anos. Talvez ela não
aconteça, você tem paralisia cerebral e o mais eficaz seria operar o seu
cérebro, optar por uma próxima correção é meio arriscado agora que você cresceu.
Você tem a vida ativa, sabe andar sozinho e está ocupado pensando em Plínio
Marcos, Augusto Boal, Stanislavski e Freud. Você está preocupado em viver a
doce recompensa que é ser você depois de tantos dias se apoiando em muletas e
pessoas.
Se eu gostaria de fazer uma cirurgia
milagrosa que me corrigisse? Não, não preciso ser corrigido, não mais!
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