terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Gás do Sono tem cheiro de bexiga

Tchau, nunca mais quero te ver!

 Foi com essa frase que dois ortopedistas e um fisioterapeuta me convenceram a não fazer a minha oitava cirurgia.
 Da última vez eu tinha desistido da cirurgia por causa do teatro da escola, dessa vez foi porque eu iria entrar em cartaz como ator profissional. Cirurgia é um saco, o corredor do centro cirúrgico tinha que ser tão grande? Da tempo de ver a história da sua vida duas vezes e ainda fazer uma anotação mental “Faça o que tiver vontade! ”  Isso é a primeira coisa que me vem à cabeça, talvez seja por causa da vontade que eu tenho de levantar e sair correndo. Podem falar o que quiser, mas atire a primeira pedra quem já fez uma cirurgia e não ficou com um medo ferrado de morrer. Então você começa a se lembrar como foram os outros pós-operatórios, fica com pressa pra que a agonia toda passe logo e a sua vida pule pra parte em que você liga pra sua mãe pedindo pra ela fazer um bolo de cenoura O pós-operatório é mais legal, você fica na cama recebendo livros, docinhos e outras tranqueiras.  Com quinze dias você tira os pontos, se tiver pinos morde um pano e segura na mão de alguém porque nessa hora anestesia é a última coisa que vai ter.  Com três dias de hospital você vai pra casa, só que parece que não vai você, a sua alma parece pertencer ao corpo de outra pessoa. Talvez seja o alívio de não ter que se preocupar mais com o 5% de chance de algo dar errado. Do alivio dos 5% vem a preocupação: "Como é que eu vou chegar até o meu quarto, quem vai me carregar?" Como é que eu vou fazer pra vir ao hospital passar pelo monitoramento, tirar os pinos, o gesso?" O gesso! Deus inventou a agulha de tricô, o diabo, o gesso. Você amarra um algodão úmido na cabeça de uma agulha e vai da fúria, torpor e coceira pra satisfação amor e alegria em 2 milésimos de segundo. Os teus ombros se arrepiam e o seu mundo se dissolve em um campo ensolarado cheio de flores, graças a uma insignificante agulha de madeira que não é mais uma agulha de madeira, é uma aliada que você guarda ao lado da cama como se fosse um Santo Graal.

 Um mês depois você quer levantar da cama de qualquer jeito, dane-se se você vai demorar 25 minutos ou mais pra chegar até o banheiro, você apostou uma panela de brigadeiro. O truque pra ganhar a aposta é muito simples: É só treinar quando não tiver ninguém em casa, quando alguém vier te visitar faz corpo mole até dizer que sente vontade de comer alguma coisa e a pessoa te responder que só vai preparar o prato se você levantar da cama.  Se você engorda? Sim, mas o esforço de caminhar com gesso é tão grande, nada que três passeios no corredor ao dia não resolva. Seis meses depois você tira o gesso, toma um susto, não lembrava que o chão era tão gelado assim. A primeira coisa que você faz é instintivamente coçar a perna por mais ou menos meia hora.  Aquele Graal não existe mais, voltou a ser agulha. Cadeiras de rodas e muletas são devolvidas e você não precisa mais se preocupar em molhar o pé na hora de tomar banho.  Os médicos te elogiam, e comentam sobre uma próxima cirurgia daqui a 5 anos. Talvez ela não aconteça, você tem paralisia cerebral e o mais eficaz seria operar o seu cérebro, optar por uma próxima correção é meio arriscado agora que você cresceu. Você tem a vida ativa, sabe andar sozinho e está ocupado pensando em Plínio Marcos, Augusto Boal, Stanislavski e Freud. Você está preocupado em viver a doce recompensa que é ser você depois de tantos dias se apoiando em muletas e pessoas.

Se eu gostaria de fazer uma cirurgia milagrosa que me corrigisse? Não, não preciso ser corrigido, não mais!

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