terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

O DIA EM QUE DESCOBRI QUE TINHA CÉREBRO


A primeira vez foi em 2001. Sempre que eu não acompanhava as matérias, tirava menos que 5 nas provas, a minha professora chegava com um bilhetinho na minha mesa e dizia que era para eu entregar para minha mãe. Eu perguntava sobre o que era, se eu tinha aprontado algo, mas todas as vezes ela dizia que eu não tinha feito nada. “Não é nada, só preciso falar com a sua mãe. ”  Ah! Tinha um detalhe.  Nessa época eu estava na 1° Série do Fundamental, só sabia escrever.  Quando nós estávamos entrando no 2° semestre e eu dizia pra minha professora que eu não sabia ler, ela olhou pra baixo, triste, ficou em silêncio, como quem disse-se “Oh! Pobre coitado, tem quase 8 anos e não sabe ler. ”
Eu sei que essa análise a princípio deve soar meio egoísta, mas eu só cheguei a essa conclusão de que ela me via como um pobre coitado quando ela entregava as provas de todo mundo menos as minhas, me dava atividades diferentes dos meus colegas, não lembrava que eu usava muletas e me esquecia na sala. Dentro do mundo de uma criança de 7 anos, eu achava isso normal. “Ah, Normal! Os meninos surdos que estudam lá embaixo do lado do banheiro são tratados mais ou menos assim, ouvi dizer lá na AACD que eles também são deficientes. ”
Eu só fui me tocar que isso tudo era errado quando uma professora nova da mesma escola me confundiu com um aluno surdo só por causa das muletas. Não me perguntem como ela chegou a essa brilhante conclusão porque até hoje eu nunca vi alguém que usar  muletas por ser surdo.
- Oi professora G, esse é aquele seu aluno meio burrinho né? 
- É claro que eu sou burro, é você que me dá aula!
Foi divertido, eu nunca tinha visto ninguém tomar um susto por minha causa até aquele dia, a mulher ficou tão branca que por um segundo parecia que a alma dela tinha saído correndo e esquecido de levar o corpo junto.  Eu me amarrei tanto nisso, que até hoje quando eu ouço uma frase com a palavra “correr” e lento” no meio, eu tento fazer uma piada.
Certo dia
- Terminem logo essa prova. Olha, eu sou que nem uma velhinha na fila do INSS, quando eu me invoco eu saio CORRENDO e ninguém me acha!
- Te entendo professora! :D

Quando era primeiro dia de aula de professora nova
-Será que alguém poderia ir CORRENDO pra mim até a xerox lá embaixo?
Daí eu gritava lá do fundo levantando o braço: EU... QUE NÃO!
Uma vez eu soltei essa na 2° série, a professora era nova e não sabia que eu estava aprendendo a andar. A coitada ficou com tanta raiva de mim que queria, porque queria que eu fosse pegar a Xerox.  Quando me levantei e comecei a andar na direção dela perguntando se podia trazer as folhas de uma em uma, ela me pediu desculpas e foi lá mesmo buscar as folhas. Nunca mais ela entrou na sala sem passar antes na xerox, e sempre me perguntava se eu tinha entendido a matéria dela.

O que aconteceu com a professora que me chamou de burro quando eu tinha 7 anos? Pediu demissão, a minha professora G. tinha me pedido pra não contar nada a ninguém, mas quando isso chegou nos ouvidos da direção da escola a Professora A. já tinha ido embora!

Como eu aprendi a ler? Como uma fonoaudióloga na AACD chamada Andreia, faltando 3 meses pra completar 7 anos ela me ensinou a ler. Levei bronca, fui preguiçoso, até o dia em que eu disse:
-Não consigo tia Andreia, eu sou muito burro!
-João, burrice não é a falta de conhecimento, isso é só um termo bobo que as pessoas inventaram pra dizer que você não consegue fazer o que todo mundo tem dificuldade em fazer. Ninguém nasce sabendo, pra todo mundo ler é difícil no começo, todo mundo já se sentiu assim, inclusive eu. Além de que a sua deficiência não tem nada a ver com isso. As suas notas na escola só dizem o que você sabe ou não sabe, e não o quanto você é inteligente.
-Então quer dizer que o meu cérebro é burro igual ao de todo mundo tia Andreia?
- Não, o seu cérebro não está no mesmo lugar que o das pessoas burras de verdade João!
- Ué, cadê ele então?
- No seu coração!

Eu nunca mais vi a Andreia depois que ela me ensinou a ler, as pessoas dizem que comigo o processo foi mais rápido porque eu já sabia escrever, o engraçado é que as pessoas que dizem isso até hoje, são as mesas pessoas que poderiam me ensinar a ler e não conseguiram.

Bem depois é que eu fui entender o que a Andreia quis dizer com tudo isso. Se você tem a inteligência no coração as pessoas que ouvem com o coração te entendem, porque elas têm consciência de que só possuem um raciocínio “adulto” apenas naquelas áreas nas quais foram socializadas. Então não é demérito nenhum confundir alguém com um surdo se você não convive com deficientes O problema é as pessoas acharem que você é incapaz, só porque te percebem como incapaz, pelo simples fato de nunca terem convivido com você.








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